Tem coisas que você faz na vida já sabendo o resultado, mas assim mesmo faz.
Um amigo meu, faz muito tempo, teve uma namorada de quem gostou muito, muito a ponto de adoecer quando terminaram, ou melhor quando o destino os separou.
Já fora bem complicado de eles começarem a namorar, pois no começo ela não tinha interesse algum por ele, olhava-o apenas como um colega e depois como amigo, ele se encontrava na famosa friend zone.
Após alguns meses finalmente algo aconteceu e eles acabaram por ficar juntos, um namoro meio secreto, velado, sem muita exposição, quase às escondidas. Mas ele estava feliz e eu como seu amigo também fiquei feliz por ele.
Crescemos juntos, uma amizade desde os 10 ou 11 anos de idade. Fizemos todos os tipos de “artes” que se possa imaginar, posso dizer que tivemos uma infância feliz e saudável.
Quando crescemos seguimos profissões e rumos diferentes, mas agora as “artes” mudaram, passaram a ser noitadas, bares, bebida, mulheres e outras aventuras típicas dessa idade onde não se tem um pingo de responsabilidade.
A partir do momento que ele passou a “namorar” a Gabriela nos afastamos um pouco, mas isso é sempre normal nessas situações, afinal ele estava “amando”…
Nossas noitadas diminuíram, mas com alguma frequência ainda saíamos juntos, contudo agora era papo-cabeça, falávamos de futuro, de sermos responsáveis e claro falávamos da Gabriela. Eu solteiro por convicção e muito orgulho só escutava e me divertia com a situação. — Você é gado, dominado, dizia eu.
Um dia ele me ligou e disse que precisava conversar comigo, ainda tirei um sarro perguntando qual o nome da criatura, mas ele disse que era sério, respeitei.
Nos encontramos e ele me contou que Gabriela precisaria mudar-se para São Paulo. Ele não sabia o que fazer porque ela era a mulher da sua vida, que não podia viver sem ela e também falou muitas outras besteiras e blasfêmias, dessas que proferimos sempre que estamos apaixonados e prestes a perder a pessoa amada.
Disse pra ele ter calma, pois ele só tinha 23 anos e estava apenas começando a viver. Então pedi pra ele me explicar melhor a situação e ele começou a falar.
Contou-me que ela estava frustrada com a vida, pois não conseguia emprego, ainda não havia se recuperado de uma paixão antiga e não tinha certeza de seus sentimentos em relação a ele, Miguel, o meu amigo.
Ela parecia fugir de sua realidade que naquele momento não era das melhores. Porém independente dos motivos dela meu amigo estava arrasado com a situação e sofrendo e eu não podia abandoná-lo. Mas o que eu poderia fazer nessa situação? Apenas ouvir e lhe dar apoio. Foi o que eu fiz.
Os dias passaram e ele foi tentando se acostumar com a ideia, mas não só isso, também tentava aproveitar ao máximo o tempo que ainda lhe restava com ela.
Eu na época, no alto dos meus 24 anos tinha outras coisas mais importantes a fazer: a vida noturnas e as mulheres me esperavam. Mas mesmo assim sempre arrumava um tempo para o Miguel, afinal é para isso que servem os amigos.
Pelo menos apoio moral ele sempre teve.
Finalmente chegou o dia da partida de Gabriela. Ele a levou ao aeroporto, se despediu e voltou para casa devastado. Eu não fui porque se ele chorasse eu iria tirar sarro dele o resto da vida, então resolvi poupar meu amigo de tal humilhação. Contudo ele me disse que não chorou, embora tivesse vontade. Eu cá comigo tenho minhas dúvidas, mas acreditei na palavra dele, afinal os amigos dão crédito aos fatos narrados pelo outro.
Nos meses seguintes ele estava um porre, sempre cabisbaixo e triste, mas uma coisa eu tenho que admitir: ele levou a vida sem reclamar, porém não era mais o amigo de outros tempos. Ficou mais concentrado no trabalho e quando não estava trabalhando estava na esbórnia. Naturalmente era uma fuga para amenizar a tristeza e angústia que sentia, eram outros tempos.
O tempo foi passando, a dor amenizando, as loucuras diminuíram, deixou de ser workaholic e até arrumou uma namorada, as coisas finalmente começaram a se aprumar.
Uns três anos após a partida de Gabriela ela retornou a Manaus e resolveu visitar Miguel, contudo nesse meio tempo muito coisa havia acontecido. A mãe de Miguel falecera e como Miguel não tinha mais o pai ele e os irmãos resolveram vender a casa e cada um seguiria o próprio destino.
Ela lhe quis fazer uma surpresa e apareceu sem avisar, até porque ele não atendia aos seus telefonemas. Na realidade foi ela que teve a surpresa, pois encontrou outra família morando no local e eles não souberam informar o paradeiro de Miguel. Ainda perguntou na vizinhança, mas em vão.
Nesse momento ela me procurou, pois ainda morava no mesmo local e Gabriela tinha certeza que eu saberia como encontrar o Miguel. Coloquei ela a par de como Miguel estava, da perda da mãe, dos momentos difíceis que vivera e que estava, de certa forma, assimilando bem todas as atribulações.
Ela me pediu o endereço e o telefone de Miguel, pois sabia que eu os teria, mas disse que perguntaria a ele primeiro para saber se poderia informar, uma vez que ele não queria mais contato com ela. Gabriela assentiu.
Como era de se esperar Miguel não permitiu que eu passasse as informações, então ficou o dito pelo não dito e a vida seguiu.
Uns dois anos depois nos encontramos no aniversário de um amigo comum. Miguel estava alegre, falante e parecia bem feliz. Conversamos bastante, ele havia terminado a faculdade, havia se tornado engenheiro e trabalhava numa multinacional, ganhava bem e estava noivo.
Fiquei bem feliz e embora as circunstâncias da vida nos tenha afastado ele é uma pessoa que eu tenho muito apreço, admiração e carinho.
Nesse dia ele me contou uma coisa bem interessante e de uma certa forma mostrava o desespero que ele vivera na época do término de seu relacionamento com Gabriela.
O último encontro que tiveram foi na praça de São Sebastião e eles, os dois, combinaram de se encontrarem naquele mesmo local dez anos depois, independente de onde estivessem e do que estivessem fazendo.
Dez anos depois, 15 de fevereiro, às 15h15, pois era a hora que o relógio da igreja de São Sebastião marcava. Fiquei perplexo com o 15, mas ele disse que fora isso mesmo uma grande e inexplicável coincidência.
Mas isso mostrava que apesar de tudo ele não a esquecera. Disse para ele esquecer dela e tocar a vida que pelo visto estava sendo boa para ele.
Após esse encontro perdermos por completo o contato.
Após se passarem os ditos dez anos, lá estava Miguel na praça de São Sebastião, como quem joga na loteria, sabe que não vai ganhar, mas mesmo assim vai conferir a aposta.
Aproximei-me e o cumprimentei, ele ficou surpreso com minha presença e perguntou o que eu fazia ali. E antes de eu esboçar qualquer resposta ele me fez lembrar a conversa que tivemos sobre o encontro com Gabriela naquele mesmo local, dez anos após a última vez que os dois se encontraram.
— Lembro sim, Gabriela me confirmou a história e eu estou aqui como seu (dela) representante, Gabriela é minha esposa agora…