Qualquer coincidência com a semelhança é mera realidade

Mulher no aeroporto

Eu estava louco por férias. O ano havia sido extremamente extenuante. Projetos e mais projetos. Prazos curtos e cobranças de todos os lados. E apesar de toda a loucura a taxa de sucesso foi acima de 90%, portanto um ano extraordinário.

Estava eu ali, esperando o meu voo para o nordeste, para Fortaleza. Destino que a grande maioria dos amazonenses faz pelo menos uma vez na vida. Sentia-me cansado, pois havia trabalhado até tarde no dia anterior. Saíra da empresa em torno das dez da noite, ainda fui tomar algumas com os amigos. Cheguei em casa por volta das duas da manhã.

Já cochilava enquanto esperava ser chamado para o embarque. Fui acordado pelo amigo que viajaria comigo, pois já estavam chamando para o embarque.

Fila imensa, fim de ano, período de férias, alta estação, uma loucura no aeroporto. Primeiro embarcam grávidas, mulheres com crianças e idosos. Depois quem pagou mais caro. Depois quem é mais bonito. Depois quem é menos feio. E depois de muitos critérios atendidos o restante, ou seja nós. Em pouco tempo nossa aeronave decolava rumo ao nordeste.

Viagem tranquila, embora fosse um trecho pinga-pinga. Paramos em Belém e Teresina antes de aterrissar na capital Alencarina. Isso sem falar que voo viera de São Paulo passando por Brasília Porto Velho, Rio Branco antes de chegar a Manaus. 

Chegamos exatamente 15 horas, hora local. Um amigo nos foi buscar e nos deixou no hotel. Mais tarde, naquele mesmo dia, combinamos de nos encontrarmos na orla da praia de Iracema.

Nessa época, ainda morava com meus pais, então liguei para avisar que chegara bem e havia feito boa viagem. Quem atendeu foi meu pai, mas ele era um homem de poucas palavras, então logo passou para minha mãe e falamos um pouco. Mãe sempre tem o que falar e sempre sabe o que falar.

Meu amigo já me apressava para irmos desbravar Fortaleza. Disse a mamãe que precisava desligar, mas ela disse que antes de desligar precisava falar uma coisa para mim. Putz! O que eu fiz de errado antes de sair? Pensei comigo mesmo… Foi então que ela falou que a fulana havia me ligado, fiquei em silêncio. Disse que ela havia chegado de São Paulo pela parte da manhã e estava “louca” para me ver (mamãe foi irônica). Mas mamãe disse a ela que eu havia viajado e só voltaria depois de dois meses (mamãe mentiu para me proteger).

Me despedi e disse para ela ficar tranquila que a fulana já era coisa do passado (menti descaradamente). Disse que eu queria era aproveitar minhas merecidas férias. Ela fingiu que acreditou.

Desliguei o telefone e saímos, eu e meu amigo. Mas o fato de saber que fulana me procurou mexeu comigo. Ela foi o amor complicado da minha vida, de fato não houve um término por assim dizer e sim uma separação. E embora já houvesse passado quase dois anos eu ainda não havia superado.

Viajei dia 22 de Dezembro, primeira vez que passaria o natal e a virada de ano longe de casa. Longe de minha mãe, do meu pai e dos meus irmãos. Confesso que com o ocorrido senti falta do apoio deles. Contudo as aventuras no Ceará estavam muito boas. E tirando aquele primeiro impacto tudo corria bem. Eu e meu amigo já tínhamos virado Fortaleza de ponta-cabeça. Aproveitamos bem a noite, as praias, a culinária, as cearenses. Ainda tinha a cachaça, sim a cachaça, eles têm diversos tipos e muitas cachaçarias.

No dia 31, comi algo que não me fez bem e tive que ficar no hotel ao invés de ir ao réveillon na praia me divertir. Meu amigo foi, pois havíamos combinado de nos encontramos com duas mulheres. Disse a ele para ir, pois não podíamos decepcioná-las. No dia seguinte nem quis saber o que aconteceu, mas ele chegou com cara de quem ganhou na loteria.

Enquanto curtia a minha indisposição intestinal, tive a brilhante ideia de ligar para a fulana. E olha que eu nem estava alcoolizado. peguei o telefone do quarto e fiz a ligação, o relógio marcava 3:15. Primeiro toque, nada, segundo, terceiro, já pensava em desistir quando atendem, era sua mãe. Pedi para falar com a fulana e ela reconheceu minha voz. Demonstrou felicidade. Quis saber como eu estava, o que estava fazendo, o porquê de não ir mais lá, etc. Desejou-me feliz ano novo e chamou a fulana.

Ela teve uma reação que eu não esperava. Quando a mãe dela disse que era eu do outro lado da linha, ela deu um grito bem alto de alegria, excitação, felicidade. E assim que ela ouviu a minha voz a cena se repetiu, posso dizer que ela estava feliz em me ouvir. Fiquei confuso.

Conversamos por uma hora ou duas, não sei ao certo. Não nos falávamos mais e eu ainda tinha sentimentos e ressentimentos por ela, posso dizer que foi bom. Ela perguntou se eu iria ficar mesmo por dois meses fora. Eu confirmei. Isso a deixou triste porque ela queria me ver, mas eu não, na verdade sim, mas preferia que não. Ela disse que chegou no sábado que eu parti e pelo o que ela me falou eu peguei a mesma aeronave que ela veio. Quem sabe até sentei no mesmo assento que ela, ou na poltrona ao lado, vai saber? Tudo é possível. Antes de desligar disse que telefonaria a ela mais vezes, outra mentira descarada. 

Desliguei e parte de mim estava feliz por ouvir sua voz, por “ler” e imaginar suas reações às minhas falas. Outra parte triste, pois sabia que seria a última vez que nos falaríamos. Estava eu ali, sentado naquela cama de hotel pensando no que vivi com ela. Ainda bem que meu mal estar me trouxe à realidade e precisei tomar providências. Ainda assisti alguma coisa que passava na TV e acabei por dormir.

As férias foram ótimas e me diverti muito. Extravasei o que pude e estava pronto para mais um ano de muito trabalho. Após um mês estava retornando a Manaus, de novo em um voo pinga-pinga, Fortaleza, Teresina, Belém e Manaus. Porém dessa vez estava acompanhado de uma conterrânea que voltava à terrinha. Voltamos agarradinhos (bem piegas, eu sei). Estava renovado, cheio de histórias para contar e pronto para mais um ano de muita labuta.

O sinal para apertarmos os cintos acende. Estávamos em manobra de aproximação do aeroporto internacional Brigadeiro Eduardo Gomes. Temperatura na aeronave 22 graus. Temperatura na Paris dos trópicos 34 graus, sim estava chegando a Manaus. Após todos os procedimentos, finalmente estava desembarcando.

Enquanto se passa pelo corredor de desembarque é possível ver as pessoas que estão embarcando. Essa leva de passageiros iria pegar o mesmo avião que descemos. Naquela confusão de pessoas querendo sair dali, olhei para os que embarcavam e lá estava ela, a fulana. Iria pegar o mesmo avião que eu, pois o destino final desse voo era São Paulo. Ela estava com eu lembrava dela. Cabelos encaracolados, negros, olhar brilhante e irradiando luz ao seu redor, estava com sua mãe e um dos irmãos. Ela não me viu e eu sabia que essa seria a última vez que a veria, mesmo que de longe.

Não mais liguei para ela. Não mais quis saber dela (pode não ser totalmente verdade), não mais me encontrei com ela e não mais procurei por ela. A vida seguiu e hoje consigo lembrar com carinho dela, mas raramente ela me vem à mente, criei mecanismos para isso. Ela foi alguém que apareceu na minha vida, deu a sua contribuição e saiu. Tornei-me uma pessoa mais forte e resiliente e isso agradeço a ela, a fulana da minha vida.

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Thomas Mark

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